J. B. Pontalis aos 46 anos
Matéria publicada no Jornal Le Monde no dia seguinte do falecimento de J.B.Pontalis Paris, 16 janvier, 2013
Por Elisabeth Roudinesco
Tradução de Fernando Rocha
15 de janeiro 1924 – Nascimento
em Paris
1945 - Publica na revista de Sartre, “Les Temps
Modernes”
1964 - Membro da Association Psychanalytique de
France
1970 - Funda a “Nouvelle Revue de
Psychanalyse”
15 de janeiro 2013 – Falecimento
em Paris
Nascido
em Paris em 15 de janeiro de 1924, Jean-Bertrand Lefèvre Pontalis, apelidado de
“jibê”, faleceu em Paris, na terça 15 de janeiro. Originário da grande
burguesia, neto do senador Antonin Lefèvre-Pontalis e sobrinho neto do
industrial Louis Renault, ele não gostava que lhe fosse lembrado sua
genealogia, sobre a qual ele fala nos seus relatos autobiográficos.
Sobre
sua infância, falará no ensaio datado de 2006 (Frère du précedent, Gallimard -,
que ganhou o prêmio Médicis de ensaio) sobre a difícil relação que viveu com o
irmão mais velho: “Mesmo se ele morreu já
há alguns anos, não consigo ainda saber se ele me detestava ou se me amava.
Mas, por pudor, eu não gostaria de me deter numa simples descrição desta
relação. Escolhi, então, me interessar, por meio de uma série de jogos de
espelhos, a outros casais (couples) de irmãos, reais ou de ficção: Marcel e
Robert Proust, Vincent e Théo Van Gogh, os irmãos Champollion. Ou ainda os
Goncourt: na morte do cacuça, Jules, o seguinte, foi apelidado de “a viúva” – a
palavra “casal” carrega aí toda sua força”.
Pontalis
pertence à terceira geração psicanalítica francesa, da qual ele foi, juntamente
com Wladimir Granoff, Serge Leclaire et Jean Laplanche, um dos mais brilhantes
representantes. Cheio de charme, petillant (crepitante) de ineligência, dotado
de um bonito talento literário, conseguia pela vida afora obter todos os
sucessos possíveis, sem jamais se separar da editora Gallimard, à qual seu nome
permanece ligado. Na Gallimard ele foi autor, editor, diretor de coleção e
membro do comitê editorial. Em 2011, recebeu o Grande Prêmio da Academia
francesa pelo conjunto de sua obra, composta de muitos ensaios e romances, e de
várias dezenas de artigos.
É logo depois da segunda guerra mundial que “jibê”, bastante engajado à
esquerda passa no exame de agregação de filosofia e exerce o metier de
professor. Na esteira do ensino de
Maurice Merleau-Ponty, ele se interessa à fenomenologia e, deste 1945, publica
notas de leituras na revista de Jean Paul Sartre, Les Temps modernes. Uma dezena de anos mais tarde, ele se torna
oficialmente o porta voz da psicanálise na revista, estando, ao mesmo
tempo, tanto próximo de Daniel Lagache como de Jacques Lacan, com o
qual ele efetua sua análise didática no seio da Sociedade Francesa de
Psicanálise (SFP). Admirando a obra de Lacan, mas recusando de nele ver um
“maître à penser”, realiza para o Bolletin de Psychologie uma bela transcrição
resumida de vários seminários de Lacan, que permanece uma fonte maior utilizada
por numerosos pesquisadores.
No momento da ruptura entre Sartre e Merleau-Ponty, ele não deixa a
revista e entra em 1962 no comitê de redação. Em 1960 ele assina o Manifesto dos
121 em favor do direito à insubmissão na guerra da Algéria e, dois anos mais
tarde, decide, como muitos outros de seus amigos, não seguir Lacan por ocasião
da segunda cisão do movimento psicanalítico. Também se torna, em 1964,
juntamente com outros, um membro importante da Association Psychanalytique de
France, que ele não abandonará jamais. É
com Jean Laplanche que ele redige o Vocabulário de Psicanálise (PUF, 1967), que
será traduzido em vinte e cinco idiomas e cujo valor jamais foi desmentido,
mesmo se a obra nunca foi reatualizada.
Em 1966, Pontalis conquista sua independência uma segunda vez criando na
Gallimard a mais prestigiosa coleção psicanalítica da cena freudiana francesa:
“Connaissance de L´inconscient”. Nesta coleção, ele fará surgir grandes
clássicos, dos textos e das correspondências de Freud, até as obras de Donald
Woods Winnicott ou de Masud R. Khan, pasando pela “Fortaleza Vazia”, de Bruno
Bettelheim.
“Uma função, não um ser”.
Três anos mais tarde, Sartre, hostil ao meio psicanalítico e ao
estruturalismo, decide publicar nos Temps Modernes um estranho manuscrito no
qual um paciente narra sua revolta tentando impor ao seu analista a presença de
um gravador. No seu comentário, ao mesmo tempo em que afirmava que não era um “falso
amigo” da psicanálise, ele afirma que este texto testemunhava a irrupção do
sujeito contra uma prática estereotipada na ortodoxia. Diante do que ele,
considera como uma agressão, Pontalis prefere deixar a revista. Depois da morte
de Sartre, ele editará na sua coleção o soberbo Scénario Freud, acompanhado de um comentário no qual ele explicará
que Sartre fabricou por ele próprio um Freud à sua imagem.
Em 1970, ele funda a Nouvelle Revue
Revue de Psychanalyse, cuja publicação ele encerrará em 1994. Nas cinqüenta
publicações desta revista, que foi a melhor de todo o campo psicanalítico
francês, se acha a vontade de juntar a psicanálise à literatura, à arte e à
todas as disciplinas das ciências humanas, sem jamais ocultar o que lhe parecia
a condição primeira de todo trabalho de escrita: tornar sensível sem apagar a
marca do inconsciente nos textos leves e desprovidos de qualquer movimento para
agradar a um mestre ou sistema de pensamento. E é na mesma perspectiva que ele
cria em 1989, sempre na Gallimard, uma elegante coleção (“L´un et L´autre”),
dedicada a colocar em cena mais “vias tais que a memória as inventa”: “Psicanalista, é uma função, não um ser”,
dizia ele em 2010, “não é uma identidade.
Espero, por exemplo não sê-lo com meus próximos, não bombardeá-los com interpretações mais ou menos selvagens. Não
faço isso nem no meu consultório. Quando
era psicanalista iniciante, eu me perguntava o que eu estava fazendo ali, com
que direito? Digo com freqüência que tomar-se por um analista é o começo da
impostura. E se eu consigo me tornar, é bem porque eu não me tomei por um
analista”.
Pontalis havia afirmado sempre que não amava nem os estudos doutos
(‘savantes’), nem os arquivos. Ele queimava papeis e cartas, mas conservava
todo tipo de fotografias coladas em álbuns ou dispersas diante dos livros da
biblioteca. É porque ele se empenhava, através uma obra compósita e em efervescência,
de redigir curtos relatos sabiamente construídos e destinados a dar a ilusão
que o tempo não tem idade.
Encontramos a quintessência disto em um belo opúsculo,
“Avant” (Antes), publicado em 1912: “Era
melhor antes”, diz ele, fazendo um pastiche do “Je me souviens” de Georges
Perec, de quem ele foi o segundo analista entre 1971 e 1975. Era melhor “quando a palavra revolução era portadora de
esperança”, “quando Lacan (...) não havia ainda fabricado lacaneanos”, ou
ainda “quando Sartre não era célebre”
e “quando eu ia dançar no Bal nègre, rue
Blomet”. Não se saberia melhor dizer de um analista que, no fim de sua
vida, era exclusivamente voltado para o passado e que considerava que no
tratamento (‘dans la cure’) “o silêncio é a condição da palavra”.
J.B. Pontalis - foto recente
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