domingo, 27 de janeiro de 2013

MATERIA PUBLICADA NO LE MONDE SOBRE O FALECIMENTO DE J.B.PONTALIS


J. B. Pontalis aos 46 anos

Matéria publicada no Jornal Le Monde no dia seguinte do falecimento de J.B.Pontalis Paris, 16 janvier, 2013

Por Elisabeth  Roudinesco
Tradução de Fernando Rocha
           
15 de janeiro 1924 – Nascimento em Paris
1945 -  Publica na revista de Sartre, “Les Temps Modernes”
1964 -  Membro da Association Psychanalytique de France
1970 - Funda a “Nouvelle Revue de Psychanalyse”
15 de janeiro 2013 – Falecimento em Paris

            Nascido em Paris em 15 de janeiro de 1924, Jean-Bertrand Lefèvre Pontalis, apelidado de “jibê”, faleceu em Paris, na terça 15 de janeiro. Originário da grande burguesia, neto do senador Antonin Lefèvre-Pontalis e sobrinho neto do industrial Louis Renault, ele não gostava que lhe fosse lembrado sua genealogia, sobre a qual ele fala nos seus relatos autobiográficos.
            Sobre sua infância, falará no ensaio datado de 2006 (Frère du précedent, Gallimard -, que ganhou o prêmio Médicis de ensaio) sobre a difícil relação que viveu com o irmão mais velho: “Mesmo se ele morreu já há alguns anos, não consigo ainda saber se ele me detestava ou se me amava. Mas, por pudor, eu não gostaria de me deter numa simples descrição desta relação. Escolhi, então, me interessar, por meio de uma série de jogos de espelhos, a outros casais (couples) de irmãos, reais ou de ficção: Marcel e Robert Proust, Vincent e Théo Van Gogh, os irmãos Champollion. Ou ainda os Goncourt: na morte do cacuça, Jules, o seguinte, foi apelidado de “a viúva” – a palavra “casal” carrega aí toda sua força”.
Pontalis pertence à terceira geração psicanalítica francesa, da qual ele foi, juntamente com Wladimir Granoff, Serge Leclaire et Jean Laplanche, um dos mais brilhantes representantes. Cheio de charme, petillant (crepitante) de ineligência, dotado de um bonito talento literário, conseguia pela vida afora obter todos os sucessos possíveis, sem jamais se separar da editora Gallimard, à qual seu nome permanece ligado. Na Gallimard ele foi autor, editor, diretor de coleção e membro do comitê editorial. Em 2011, recebeu o Grande Prêmio da Academia francesa pelo conjunto de sua obra, composta de muitos ensaios e romances, e de várias dezenas de artigos.
É logo depois da segunda guerra mundial que “jibê”, bastante engajado à esquerda passa no exame de agregação de filosofia e exerce o metier de professor.  Na esteira do ensino de Maurice Merleau-Ponty, ele se interessa à fenomenologia e, deste 1945, publica notas de leituras na revista de Jean Paul Sartre, Les Temps modernes. Uma dezena de anos mais tarde, ele se torna oficialmente o porta voz da psicanálise na revista, estando, ao mesmo tempo,  tanto próximo de  Daniel Lagache como de Jacques Lacan, com o qual ele efetua sua análise didática no seio da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP). Admirando a obra de Lacan, mas recusando de nele ver um “maître à penser”, realiza para o Bolletin de Psychologie uma bela transcrição resumida de vários seminários de Lacan, que permanece uma fonte maior utilizada por numerosos pesquisadores.
No momento da ruptura entre Sartre e Merleau-Ponty, ele não deixa a revista e entra em 1962 no comitê de redação. Em 1960 ele assina o Manifesto dos 121 em favor do direito à insubmissão na guerra da Algéria e, dois anos mais tarde, decide, como muitos outros de seus amigos, não seguir Lacan por ocasião da segunda cisão do movimento psicanalítico. Também se torna, em 1964, juntamente com outros, um membro importante da Association Psychanalytique de France, que ele não abandonará  jamais. É com Jean Laplanche que ele redige o Vocabulário de Psicanálise (PUF, 1967), que será traduzido em vinte e cinco idiomas e cujo valor jamais foi desmentido, mesmo se a obra nunca foi reatualizada.
Em 1966, Pontalis conquista sua independência uma segunda vez criando na Gallimard a mais prestigiosa coleção psicanalítica da cena freudiana francesa: “Connaissance de L´inconscient”. Nesta coleção, ele fará surgir grandes clássicos, dos textos e das correspondências de Freud, até as obras de Donald Woods Winnicott ou de Masud R. Khan, pasando pela “Fortaleza Vazia”, de Bruno Bettelheim.
“Uma função, não um ser”.
Três anos mais tarde, Sartre, hostil ao meio psicanalítico e ao estruturalismo,  decide publicar nos Temps Modernes um estranho manuscrito no qual um paciente narra sua revolta tentando impor ao seu analista a presença de um gravador. No seu comentário, ao mesmo tempo em que afirmava que não era um “falso amigo” da psicanálise, ele afirma que este texto testemunhava a irrupção do sujeito contra uma prática estereotipada na ortodoxia. Diante do que ele, considera como uma agressão, Pontalis prefere deixar a revista. Depois da morte de Sartre, ele editará na sua coleção o soberbo Scénario Freud, acompanhado de um comentário no qual ele explicará que Sartre fabricou por ele próprio um Freud à sua imagem.
Em 1970, ele funda a Nouvelle Revue Revue de Psychanalyse, cuja publicação ele encerrará em 1994. Nas cinqüenta publicações desta revista, que foi a melhor de todo o campo psicanalítico francês, se acha a vontade de juntar a psicanálise à literatura, à arte e à todas as disciplinas das ciências humanas, sem jamais ocultar o que lhe parecia a condição primeira de todo trabalho de escrita: tornar sensível sem apagar a marca do inconsciente nos textos leves e desprovidos de qualquer movimento para agradar a um mestre ou sistema de pensamento. E é na mesma perspectiva que ele cria em 1989, sempre na Gallimard, uma elegante coleção (“L´un et L´autre”), dedicada a colocar em cena mais “vias tais que a memória as inventa”: “Psicanalista, é uma função, não um ser”, dizia ele em 2010, “não é uma identidade. Espero, por exemplo não sê-lo com meus próximos, não bombardeá-los  com interpretações mais ou menos selvagens. Não faço isso nem no meu consultório.  Quando era psicanalista iniciante, eu me perguntava o que eu estava fazendo ali, com que direito? Digo com freqüência que tomar-se por um analista é o começo da impostura. E se eu consigo me tornar, é bem porque eu não me tomei por um analista”.
Pontalis havia afirmado sempre que não amava nem os estudos doutos (‘savantes’), nem os arquivos. Ele queimava papeis e cartas, mas conservava todo tipo de fotografias coladas em álbuns ou dispersas diante dos livros da biblioteca. É porque ele se empenhava, através uma obra compósita e em efervescência, de redigir curtos relatos sabiamente construídos e destinados a dar a ilusão que o tempo não tem idade.
Encontramos a quintessência disto em um belo opúsculo, “Avant” (Antes), publicado em 1912: “Era melhor antes”, diz ele, fazendo um pastiche do “Je me souviens” de Georges Perec, de quem ele foi o segundo analista entre 1971 e 1975. Era melhor “quando a palavra revolução era portadora de esperança”, “quando Lacan (...) não havia ainda fabricado lacaneanos”, ou ainda “quando Sartre não era célebre” e “quando eu ia dançar no Bal nègre, rue Blomet”. Não se saberia melhor dizer de um analista que, no fim de sua vida, era exclusivamente voltado para o passado e que considerava que no tratamento (‘dans la cure’) “o silêncio é a condição da palavra”. 


J.B. Pontalis - foto recente

                                                

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