1. Esculpindo o inaudito
Fernando Rocha
Fernando Rocha
“(...) A
possibilidade de traduzir, com a forma visível, aquela essência íntima,
anterior a qualquer forma, que é a música (...). Nessa operação, o poeta é um
tradutor que consegue que o ilimitado da mensagem musical encarne-se nos
limites da imagem apolínea” (Alain Didier Weill, 1997).
Definir uma possível fronteira entre
arte e psicanálise pode significar um sobrevoo no tempo: ambas contém a noção
de Techné[1],
termo que atravessou a antiguidade greco-latina e manteve-se fiel à noção de
“fazer nascer, fazer brotar”. Talvez tenha sido essa a vinculação entre arte e
psicanálise, percebida por Freud quando privilegiou a analogia entre
psicanálise e arte escultórica.
A função do analista é a de conduzir
o analisante, por meio da associação livre e da ressignificação, ao caminho da
criatividade, na trilha do “criar para não adoecer”.
À diferença de outras artes, como a pintura, a escultura pode surgir do
que retira da matéria. Diante da tela em
branco, o pintor, prenhe de imagens, procura preencher o vazio. Já para o
escultor, igualmente prenhe de imagens, mas forçado a reconhecer os limites
impostos pela matéria, não há vazio a preencher. A matéria é plena; cabe ao
escultor extrair a forma latente que nela habita. Forma silente e adormecida,
cujo despertar para o mundo da palavra depende de um Outro que a torne presença[2].
Há, na realidade, a maior antítese possível entre técnica sugestiva e
analítica – a mesma antítese que, com relação às belas artes, o grande Leonardo
da Vinci resumiu nas fórmulas: per via di
porre e per via di levare. A pintura, afirma Leonardo, opera per via di porre, pois ela aplica uma
substància – partículas de cor – onde nada existia antes, na tela incolor; a
escultura, contudo, processa-se per via
de levare, visto que retira do bloco de pedra tudo o que oculta a
superfície da estátua nela contida. (Freud, 1904/1905, pp 270, 271.)
Assim, para Freud, a técnica de sugestão processa-se per via de porre; superpõe algo, uma sugestão, na expectativa de
que será suficiente “para impedir que a ideia patogênica venha a expressar-se”.
Já a “terapia analítica” não busca introduzir nada, mas sim retirar algo,
fazendo aflorar alguma coisa, preocupando-se com a gênese e o contexto psíquico
dos sintomas.
Esta proposição de Freud aponta para a ideia de que o trabalho
psicanalítico , per via de levare
– com o levantamento do recalcado – propiciaria o surgimento de um existir mais
pleno, como no trabalho do escultor ao retirar o que encobre a estátua
aprisionada.
Brias Silveira (2010), nos lembra, de modo pertinente, que, no início da
teorização psicanalítica, partia-se da ideia de um psiquismo já de posse de uma
atividade representativa. O novo aporte meta-psicológico da segunda tópica de
Freud, em 1923, faz a teoria da clínica voltar-se não apenas para a simples
tomada de consciência, mas para as
questões relativas às vicissitudes do trabalho de simbolização, sobretudo a
partir da questão explicitada na célebre frase Wo es var soll ich werden: “Onde estava o id, ali estará o ego”
(Freud, 1933/1976, p. 102). Assim, ao longo do trabalho clínico, principalmente
a partir do exame das organizações não neuróticas, em que há predomínio do
sofrimento narcísico, evidenciou-se a insuficiência desta concepção inicial de
funcionamento psíquico para abarcar todas as suas possibilidades.
O fato de o homem nascer prematuro faz dele portador de uma
característica que irá sobressair, quando comparada com outros animais, cujo
grau de maturação, desde o nascimento, lhes permite maior autonomia. Tal
prematuridade é, pois, própria do humano, cujo estado de dependência exige, por
um longo tempo, a presença de outro que possa lhe fornecer a garantia tanto de
vida biológica como de vida psíquica. Este corpo prematuro carrega as marcas
dos seus começos, as marcas do movimento que surge desde o nascimento, passando
pelo controle da motricidade até a aquisição da linguagem. É esse corpo que,
mesmo como organismo natural, irá inevitável e lentamente imergir na cultura,
para realizar um percurso que será o palmilhar de sua história – de suas
vivências psíquicas.
Assim, a história singular de cada homem dependerá da
existência de um outro humano, um semelhante,
ou seja, um humano já submetido à Lei da cultura, às leis da interdição do
incesto. Referir-se, então, a um humano é admiti-lo como efeito da relação com
um semelhante, que assegure tanto os
cuidados maternos como a interdição do incesto. (ROCHA, 2015)
Embora o mundo da cultura preexista ao humano, este é a
expressão da tensão entre o natural e o cultural. Se o nascer é margeado por
uma “naturalidade”, não tarda e logo a cultura arrebata o homem, recobrindo-o,
em parte, com o seu véu, para que finalmente possa – por meio da relação com o semelhante – reconhecer as leis da
cultura, a ela tornando-se submisso e, por fim, “humanizando-se”.
Ainda em
“Projeto para uma psicologia científica”, Freud (1895a) nos permite depreender
que o alicerce de uma organização psíquica dependerá de como ocorreu a
experiência de satisfação do infans
(aquele que ainda não fala) com o semelhante.
Com a experiência de satisfação, dizemos ter havido um “a mais” de prazer –
ativação de zonas erógenas – que, ao tornar o infans um ser desejante, retira-o da condição de ser marcado
somente pela necessidade. Ser cujo desejo, ao expressar a existência de uma
falta estruturante, possibilita-lhe a formação de um corpo simbólico,
característico da estrutura neurótica, conferindo-lhe o estatuto de sujeito.
Essa “vivência de satisfação”,
teoricamente, origina-se no momento em que o infans, buscando saciar uma necessidade – a fome, por exemplo -, é
surpreendido pela ativação de uma de suas zonas erógenas. Esta,
proporcionando-lhe um a mais de prazer, registra nele a marca de sensação de
prazer. A partir de então, origina-se um movimento desejante, caracterizado
pela busca vã de reencontrar aquela mesma marca de sensação deixada pela
primeira vivência de satisfação. Esse movimento desejante – tentativa de
encontrar uma satisfação idêntica – provoca marcas inaugurais no aparelho
psíquico, que constituirão o denominado das Ding – a Coisa. Das Ding é formado
pelo traço do objeto de percepção e pela marca de sensação deste objeto que,
com função de coisa dentro do infans,
passará a exercer uma função de juízo para todas as subsequentes experiências
de vida daquele sujeito (Idem. 2015).
Uma vez emitido o grito inaugural, o
homem-infante necessita de um Outro que
lhe possibilite transformar esse grito, silente de significação, em fala. Outro, responsável pela vida biológica,
que lhe confira vida psíquica.
Sem a pretensão de ser escultor ou o Outro
que assegura a vida do infante, o analista é, no desempenho de sua função,
um Outro que, ao provocar a formação
de cadeias imagéticas, faz brotar no paciente a sua forma: vivências psíquicas[3].
Da mesma maneira, a obra de arte necessita de um Outro que a faça viver: que a toque, que a veja, que a sinta, que a
escute.
Através dessas analogias, podemos depreender a forma pela qual Freud
concebe o ato de “fazer nascer” como ultrapassando a noção de obra circunscrita
a um universo puramente tangível. Enquanto coisa criada, a obra vive através de
um Outro que, ao reconhecer-lhe
existência, revela-a transitória e perene. O mesmo ocorre com o homem que, em
sua vida transitória, só existe e se pereniza quando reconhecido por um Outro. A partir dessas semelhanças, não
haveria distinção entre uma obra que se materializasse por meio de objetos
corporais, como a escultura e a pintura, ou incorporais, como a música e o
canto.
Alain Didier-Weill (1997), em outra abordagem do mesmo tema, diz que o
humano é o resultado de substâncias heterogêneas, cuja expressão encontra-se na
“materialidade do corpo” (corporal) e no “verbo enxertado nesse corpo”
(incorporal). O entrelaçar da materialidade do corpo, sua imagem e o verbo nele
enxertado foram abordados desde o início da obra de Freud, na qual o homem é
apresentado como o efeito da tensão entre o corporal e o incorporal – ou seja,
entre corpo e palavra – e ainda entre percepção e sensação.
De maneira similar, o escultor, para extrair da matéria uma forma,
vale-se de uma linguagem que, ao introduzir a obra no incorporal – a nomeação
–, torna-a também o efeito de uma tensão entre corporal e incorporal. Diante de
seu majestoso Moisés, Michelangelo
diz: “Fala”. Arte e psicanálise encontram
em Freud o grande enunciador da estreita relação entre o artista e o
psicanalista.
A busca pela reafirmação dos vínculos entre arte e psicanálise tem
conduzido outros pensadores a novas articulações. É o caso de Weill, para quem
o poeta, visto como um tradutor, é equiparado ao psicanalista. Para ele “o poeta é um tradutor, que propicia ao
ilimitado da mensagem musical a sua inserção nos limites da imagem apolínea”
[4]. O
mesmo pode ser dito do psicanalista.
O termo apolíneo refere-se ao
deus Apolo – o deus do Metron, medida
– que na tragédia é visto por Nietzsche como representando o ator, aquele que
constrói o signo. Cabe lembrar que a tragédia grega, cuja origem pode ser
encontrada em Ésquilo, possui inicialmente apenas um ator, termo cujo equivalente
em grego é o vocábulo hipócritas [5].
O ator - hipócritas – valia-se de várias máscaras para representar
diferentes personagens, através de cujos discursos buscava dar sentido aos
acontecimentos. Desta maneira, o ator ocupa, na tragédia, o lugar do discurso.
Em oposição a Apolo, encontra-se Dionísio, deus da desmesura (Hybris) que, na tragédia, é representado
pelo coro – cujas aparições destituem o signo de sua função comunicante e se
dão através de sons, gestos e danças.
Ao associar Apolo ao lugar de onde surge a palavra, compreendemos o
destaque que Weill confere ao significante: “é através do significante que se
podem amarrar o real da música e a imagem especular” (1977:27). Com função
assemelhada à de Apolo, o analista tem uma palavra que, embora capaz de
construir o signo, é também capaz de provocar a desconstrução do mesmo. Assim,
a função do analista abrigaria também Dionísio.
Da mesma forma que o analista reconhece as palavras pelo que elas
significam socialmente, ele também as reconhece quando perdem a sua função
social e passam a dizer vivências inconscientes, deixando falar Dionísio. A
palavra, então, como significante, também é utilizada pelo analista. Esse
significante – que, no dizer de Freud, corresponde à imagem acústica – é capaz
de circular pela representação coisa e pela representação palavra.
Na tese sustentada por Freud, a
representação coisa está ligada à representação palavra com a sua terminação
sensorial, mediante as imagens acústicas. Por meio dessa tese, Freud enuncia
que “o ponto central de toda função da linguagem” reside na “atividade
associativa do elemento acústico” (Contribution
à la conception des Aphasies, 1891).
A força do poder associativo do elemento acústico pode ser visualizada
através de duas situações clínicas. Na primeira, uma mulher telefona para o
analista, em busca de ajuda. Por não dispor, naquele momento, de horários
compatíveis com as possibilidades da mulher, o analista pede-lhe que aguarde.
Ela, no entanto, insiste, se antecipa e lhe faz várias ligações telefônicas.
Uma vez viabilizado o inicio do tratamento, a paciente revela que “embora conhecendo o analista somente por
telefone, estabeleceu uma forte ligação”. Ao longo do trabalho, ela
compreende que o seu aparentemente inexplicável interesse em iniciar o
tratamento com aquele analista estava relacionado com o fato de o mesmo possuir
um sotaque idêntico ao de seu pai. Na segunda situação, o analista, com o
objetivo de incentivar a continuidade associativa do discurso da paciente,
emite um som (“hum, hum”). De imediato, a paciente associa
esse som a uma cena de infância, na qual ela se encontrava numa rede com o pai
e este a embalava ao som de um “hum,hum”,”hum”.
Nesta mesma direção, Weill
(1997:57,58), tomando como ponto de partida o que se passa na música, diz: “...vocês devem ter notado, quando ocorre de a
emoção musical nos invadir, que ela suscita dois movimentos, dois estados de
alma, dos quais poderíamos provisoriamente dizer que realizam a conjugação de
um estado de felicidade e de nostalgia psíquica”. Esta nota de música que
em nós desenvolverá o estado de gozo, será segundo o autor, “sempre a mesma, no
sentido em que será disparada tanto de uma simples cantiga quanto do piano de
Mozart ou do sax de Lester Young”.
Uma paciente, que atendi fora do Brasil,
narra a experiência seguinte: Encontrava-se
num vernissage quando
sentindo-se atraída pela voz de um homem que dialogava com outro em espanhol. Sentindo-se
estranhamente fascinada pela sonoridade daquela voz, logo tentou provocar uma
situação para entrar em contato com ele e, a partir daí, começaram a se
encontrar. Ela ficara por ele apaixonada a ponto de pretender romper o próprio
casamento. À medida em que tentava na análise compreender o que lhe estava
acontecendo, o fio de suas associações a levaram a pensar que aquele sotaque
pelo qual ficara fascinada tinha a ver com a voz de uma antiga babá de língua
espanhola, que ela tivera quando morou,
em sua tenra infância, num país de língua espanhola.
Esta experiência vem corroborar a ideia de que a tendência do desejo é a
de sempre encontrar algo do traço do objeto perdido.
Em sua função simbólica, o analista é propulsor do processo associativo,
no qual a representação coisa, ao emergir na representação palavra através das
imagens acústicas, interpela o discurso consciente e evoca novas imagens, que
surpreendem o sujeito e provocam a formação de cadeias associativas. Se é
possível que esses acontecimentos ocorram fora do setting analítico, é somente nele que ganham especial relevância,
já que constituem um dos fatores responsáveis pelo desenrolar do processo
analítico.
Ocupante do lugar do apolíneo, o analista também seria um hipócritas, já que, enquanto objeto de
transferência, representa os vários personagens que compõem o psiquismo do
paciente.
Lugar onde o signo fica ancorado, o lugar do analista é provocador de
vivências que permitem a emergência da energia até então desvinculada de
imagens, urgindo por uma expressão que ocorrerá quando essa energia for
enlaçada por uma representação.
Não é sem propósito que Freud estabelece duas importantes articulações:
uma vinculada à arte – no caso específico da arte escultórica – e a outra,
quando confere ao método psicanalítico a preeminência da palavra. Embora
definidas por diferentes parâmetros, tanto a arte escultórica quando a
psicanálise guardam entre si uma semelhança: ambas são efeito do possível. Ao
extrair a forma da matéria, o escultor fica preso a seus limites. Da mesma
maneira, o analista – embora sendo o propiciador do movimento transferencial –
não pode alterar as marcas psíquicas delimitadoras da expressão do paciente.
Marcas provenientes das vivências psíquicas ocorridas ao longo da vida que, por
não serem ordenadas cronologicamente, podem ser associadas e tornadas presente
sem considerações de tempo.
A cena analítica deveria, então, provocar a emergência das vivências de
infância e servir de lugar para que estas se revelassem, como que à luz do
poetar de Mário Quintana:
Quem faz um poema abre uma janela:
Respira,
tu que estás numa cela abafada,
esse
ar que entra por ela.
Por
isso é que os poemas têm ritmo
Para
que possas, enfim,
Profundamente
respirar.
Quem
faz um poema salva um afogado(6).
Ou de José Saramago quando escreve: “Há
dentro de nós uma coisa que não tem nome e essa coisa é o que somos”.
Mesmo que possamos distinguir diferenças entre arte e psicanálise, é
inegável que Freud recorreu à literatura, à pintura, à música e ao mito, entre
outras manifestações artísticas, para estruturar e pensar os conceitos da
teoria psicanalítica. No entanto, diferentemente do analista que não assina a
sua “obra” (o paciente) e nem se pereniza através dela, o artista, este sim,
assina a criação que o pereniza. Freud percebeu a dimensão perene da obra, já
que não considerou o artista um mero intérprete “concreto e singular do seu tempo”.
Como nos lembra Weill (1997:33), através da arte o homem poderia
vislumbrar o tempo da perenidade:
“Como compreender o sentido do ato artístico
senão como a tentativa feita pelo homem de lutar contra essa ameaça,
substituindo ao homem, ameaçado de anonimato pelo saber absoluto, a parte de
incógnito que é seu bem mais íntimo? Onde o homem, observado de todos os lados,
fica transparente, eis que o pintor recorda-lhe que ele continua habitado pelo
invisível; (...) já “a música vem
lembrar-lhe que, ao contrário e contra tudo, o inaudito conserva suas
exigências” e onde “o dançarino é aquele que relembra ao homem o fato de que
nele permanece um movimento original cujo caráter absolutamente inimitável ele
tende a esquecer”.
Se as diferentes expressões artísticas contém uma Techné que pode perpetuá-las, o mesmo não ocorre com a Techné própria ao psicanalista.
Metaforicamente, a obra do analista é o paciente e essa obra não deverá ser
assinada, uma vez que a psicanálise visa a propiciar o encontro de cada
paciente consigo mesmo e não sua identificação com a pessoa do analista.
Visto desta forma, um dos efeitos do processo analítico é o de propiciar
a liberação da energia, até então voltada à manutenção dos sintomas, em
proveito de uma vida mais criativa. Como nos lembra Freud, através do filósofo
Heine, “Deus criou o mundo para não ficar
doente”.
Freud associa o analista ao escultor e nos revela uma das mais
importantes características do analista: a de não poder alterar a qualidade da
“matéria” com a qual trabalha. Freud assinala ainda, como elemento de relevo, o
fato de que tanto o escultor quanto o analista estão limitados pelo tipo de
matéria que cada um deles utiliza, sem lhes poder alterar a qualidade – vidro
não pode ser transformado em madeira – da mesma forma que o analista estaria
marcado por um limite semelhante, que tornaria impossível alterar a história
vivencial do sujeito.
No entanto, a riqueza revelada por Freud, a partir das duas situações, é
que tanto o escultor quanto o psicanalista podem fazer brotar as incontáveis
possibilidades de criar, seja no limite da matéria, seja no limite do sujeito.
Se o ato de criação, em ambos os casos, mostra-se não só possível, mas mutante,
o tempo que separa dois mil anos da concepção grega de arte e Techné passou também por modificações.
Ao psicanalista não é dado assinar aquilo que porventura considere a sua
criação.
Este anonimato que, no passado, fez parte também do oficio do artista
grego, até Fídeas, hoje demarca uma diferença entre o psicanalista e o artista.
Nesse passar de tempo, a figura do artista tornou-se cada vez mais forte, foi
adquirindo um caráter de legitimidade e passou a reivindicar uma autoria.
Ao contrário, se é possível atribuir ao analista a execução ou a criação
de uma “bela obra”, essa só será assim considerada na medida em que ele não
deixar prevalecer as suas marcas de autor,
mas tiver sido o catalisador, o facilitador de possíveis rearranjos
propiciadores do singular percurso de cada sujeito. Neste sentido, cabe lembrar
que há uma distinção entre a identificação à pessoa do analista e a
identificação com a função analítica.
Quanto à articulação entre o método psicanalítico e a preeminência da
palavra, Freud esclarece que, se o método psicanalítico entra em conflito, a
partir de algum momento, com o método hipnótico – que se baseia na submissão
idealizada ao médico, consequência de uma não-escuta de si – é justamente por
considerar a fundamental importância da escuta e da fala advindas do paciente.
Poder se escutar é, para o paciente, adquirir a possibilidade de
ressignificar as próprias vivências. Neste sentido, como vimos, a preocupação
de Freud com a camada acústica parece existir desde os primórdios de sua obra.
A importância da camada acústica encontra-se presente desde o texto sobre as
afasias, não só enquanto propulsora da vinculação entre representação coisa e
representação palavra, mas também como aquela que propicia o processo de
ressignificação.
Se, por um lado, Freud ressalta a importância da camada acústica no
processo de significação e ressignificação, por outro, também chama atenção
para o fato de o ser humano-infante falar
sem necessariamente compreender o significado das palavras.
Ao realçar a associação livre, Freud desvela o caminho da criatividade,
uma vez que, no processo analítico, o signo nele esculpido faz brotar as várias
formas possíveis. Formas que, ao revelarem o velado e despertarem o adormecido,
possibilitam ao paciente a recriação de sua própria história.
BIBLIOGRAFIA
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Revista Ide, vol. 33, n. 51 São Paulo, dez:
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QUINTANA, M. – Emergência. In Apontamentos de História Sobrenatural. Porto
Alegre: Globo, 1977.
RODRIGUES, S. Sobre Palavras - O hipócrita nasceu no palco. Veja.
Abril/com.br/blog/sobre palavras/ curiosidades etimológicas.
WEILL, A. D. – Nota
Azul – Freud, Lacan e a Arte. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997.
[1] Sobre Techné,
Estrella Bohadanna (1992) em Sobre Deuses
e Poetas, escreve que “em Homero, à revelia de qualquer hierarquização,
encontramos diferentes técnicas dotadas do mesmo estatuto. Quando emprega o
vocábulo techné, ele o faz no sentido de fabricar, construir, produzir, criar”.
(...) “Para o vocábulo techné estamos
considerando a etimologia fornecida por M.A.Bailly, o qual lhe atribui origem
na raiz indo-euroéia tek, dando-lhe as significações de enfanter, produire, créer, como encontramos em Homero. (Ver M.A. Mailly.
Dicctionnaire Greco-Français. Paris:. Livrairie Hachette, 6ème édition, 1940).
[2] Para
certas crenças populares, algumas imagens sagradas, pintadas ou esculpidas, não
são produzidas por mão humana, mas sim descobertas.
[3]
Essas cadeias imagéticas seriam capazes de enlaçarem o quantum de afeto e se
tornarem responsáveis pela produção de sentido. Ver Freud: Estudos sobre a histeria e Projeto
para uma psicologia científica.
[4]
Nos comentários feitos por E. Bohadanna em Freud
e a Tragédia: a impulsão da palavra, o termo apolíneo é apresentado como
sendo empregado por Nietzsche em oposição ao dionisíaco. No entanto, comenta a
autora, embora sendo forças opostas, Apolo e Dionísio longe estão de possuir
origens diferentes: ambos nascem do seio da natureza. Assim, Apolo e Dionísio
formam uma unidade que presentifica a condição do
homem. Embora submetido à castração – dimensão apolínea -.ele manterá sempre
uma outra dimensão indomesticável – a dionisíaca. Assim, seria o homem
simultaneamente Metron e Hybris.
7.
Sergio Rodrigues – Sobre Palavras – O hipócrita nasceu no palco.
Veja.Abril/com.br/blog/sobre palavras/ curiosidades etimológicas. Para este
autor, A palavra hipócrita veio do grego e designava, a princípio, apenas um
ator, um comediante, um histrião, sem as conotações intensamente negativas – de
falsidade, dissimulação, fingimento – que hoje estão a ela associadas.
O Houaiss
registra a acepção grega de “intérprete de um sonho, de uma visão; adivinho,
profeta” como sendo anterior à de ator – o que pode sugerir uma raiz de
charlatanismo para o dissimulado de hoje.
No
entanto, o etimologista catalão Joan Corominas liga a hipocrisia diretamente ao
trabalho de interpretação de uma peça, sem a interferência de profetas ou
adivinhos, ao derivar o termo grego de hypokrínomai, “diálogo”.
Seja como
for, é certo que, ao desembarcar em português no século XIV, a palavra
hipócrita já trazia consigo, pronta, a acepção que hoje vemos atribuída com
frequência a políticos e outros fingidores. Em tempo: o grego Hipócrates,
conhecido como “pai da medicina”, não tem nada a ver com isso.