1 -
Fernando, em primeiro lugar, gostaríamos de agradecer
sua
disponibilidade em conceder essa entrevista, que é o
desdobramento de
uma rica conversa que aconteceu na SPB. Naquele
encontro, que tinha
como tema central o papel da entrevista
inicial no tratamento
psicanalítico, muitas questões importantes
foram discutidas, mas penso
que o grupo ficou com desejo de
alongar a conversa.
E para começar esta conversa no papel,
gostaríamos que você nos
falasse um pouco sobre essa ênfase na
investigação que observamos ao
acompanhar seu percurso na
psicanálise. Como ela foi se constituindo,
e o que a fundamenta?
Fernando: Para iniciar esta conversa, quero dizer que tive grande
prazer em trocar idéias psicanalíticas com os colegas da SPB e
agradecer a maneira simpática e interessada como me acolheram.
Contar como aconteceu meu primeiro encontro, minha ‘primeira
entrevista’, com a psicanálise, talvez esclareça o meu gosto pela
investigação, que teve início quando quis entender o meu desejo em
relação à escolha por uma área de estudo. Isto aconteceu pouco
antes de concluir o segundo grau, momento de indecisões e dúvidas
pelo qual passa com frequência a maior parte dos jovens nesse
período de escolha de uma profissão. Morando numa pequena cidade do
interior, qualquer que fosse minha
decisão, implicava viajar. Haviam me falado em casa a respeito de um
primo médico, sobrinho de meu pai, que morava na capital e que
“curava com palavras”. Fiquei fascinado com a idéia e fui ao seu
encontro. Zaldo Rocha, psiquiatra-psicoterapeuta infantil, estudioso
pesquisador do inconsciente, apresentou-me, nesse encontro, Freud e
ao mesmo tempo a psicanálise. Naquela época, não existia
psicanalista, nem formação psicanalítica em Recife. O fato de
Zaldo ser também exímio violonista, me aproximou ainda mais dele,
por termos a música em comum. O lado médico de Zaldo ia ao encontro
do desejo do meu pai de, como bom nordestino, querer “ter um filho
doutor” e a mim, encantava ser um “doutor” que curasse com as
palavras. Essa primeira investigação do meu desejo abriu o caminho
para o curso de medicina, depois a especialização em psiquiatria em
Porto Alegre e formação psicanalítica em Paris, onde morei durante
dez anos. A ‘entrevista’ com Zaldo revelou meu desejo de ser um
investigador. De investigar a dor? Desde a minha formação no
Instituto da Sociedade Psicanalítica de Paris, nos anos 1970, me
interessei, particularmente, por um seminário sobre as entrevistas
preliminares. Esse seminário foi também uma boa descoberta da
relevância dos começos e a partir dali com o meu trabalho clínico
passei a valorizar ainda mais esse tempo que precede a análise – a
importância do ‘prólogo da análise’.
A descoberta da importância dos começos foi ganhando relevo: começo
de análise, de formação, histórias de investigações. Momento
inaugural, as entrevistas são a instalação de um espaço, onde
analista e futuro analisante se interrogam sobre seus respectivos
desejos.
Não posso deixar de mencionar o meu encontro em Porto Alegre, com
Paulo Guedes, com quem iniciei minha primeira análise, interrompida
precocemente com o falecimento dele. Em seguida um outro começo:
recomeço de análise agora em Paris. Na experiência analítica com
J.B. Pontalis, foi possível retomar a análise interrompida no
Brasil. Logo nas primeiras sessões, ao escutar o pigarro
característico de fumante, pude associar imediatamente com o pigarro
que emitia o ex-analista, e também o pigarro do meu pai. Foi de
fato um encontro – um reencontro. Reencontro que me fez desde então
refletir cada vez mais sobre a importância dos primeiros encontros:
das primeiras entrevistas.
O encontro analítico: o desvendamento dos encontros e desencontros
dos amores dos começos... A volta aos primeiros encontros, aos
amores infantis. A transferência.
Meu percurso como investigador se iniciou, portanto, quando indaguei
o meu desejo, e prosseguiu quando na clínica passei a escutar as
indagações dos meus analisantes. Compreendi que o escutar das
indagações dos desejos dos analisantes leva o analista a querer
continuar, na tarefa sem fim, de escutar seu próprio desejo.
2 - Retomando o tema específico de nosso encontro aqui na
SPB,
gostaríamos que você nos falasse um pouco mais a respeito
da função
das entrevistas preliminares no tratamento analítico.
Fernando: Considero que o momento das
entrevistas preliminares possibilita ao analista situar-se diante do
tipo de demanda que lhe faz o entrevistando – analisante em
potencial. Ao analista cabe, então, a tarefa de tentar transformar o
pedido de ajuda em demanda de análise, por meio da retificação
subjetiva. Trabalho que pode propiciar a transformação do
sofrimento explícito ou implícito do entrevistando em demanda de
análise. Ao mesmo tempo, representa o momento no qual o analista
deverá interrogar-se sobre suas possibilidades de empreender o
trabalho com aquele entrevistando específico.
Assim, se há um prólogo da análise, este não
se restringe apenas às interrogações referentes à demanda do
entrevistando, mas, também, àquelas que o analista deverá se fazer
sobre suas possibilidades de assumir o lugar
de analista, com aquele
entrevistando particular. As entrevistas preliminares devem
considerar tanto a dimensão que situa a indicação da análise como
adequada, ou não, quanto a que se volta à motivação do analista
no empreendimento da análise com aquele analisante específico.
A pertinência do método analítico coloca
questões quanto aos procedimentos a serem adotados nos casos em que
não há indicação de “análise clássica”; quando o analisando
se expressa, sobretudo, por meio de comportamentos sintomáticos que
ocupam o lugar da elaboração psíquica; quando no funcionamento
psíquico há entraves que dificultam a busca de uma significação
para o sofrimento; quando a idéia de um tratamento pela palavra é
desvalorizada, é inquestionável a necessidade de operar adaptações
a fim de fazer face a essas situações.
Ao decidir ocupar o lugar de analista com
aquele sujeito específico, o analista deverá reconhecer,
independentemente da etiqueta nosográfica, a sua própria
problemática psíquica, repensar seus pontos de resistência (embora
saibamos que a maioria deles é da ordem do inconsciente), e poder
formular um autodiagnóstico que, no dizer de Piera Aulagnier, lhe
propicie rever sua “capacidade de investir e de preservar uma
relação transferencial não com um neurótico, um psicótico, um
caso-limite, mas com o que pode prever, para além do sintoma, sobre
a singularidade do sujeito que está diante dele’’.
O tempo das entrevistas preliminares apresenta
questões fundamentais, cujo manejo poderá ajudar o psicanalista a
lançar mão dos critérios de analisabilidade e definir a maneira
mais adequada de investigar e de encaminhar o processo psicanalítico.
Neste sentido, é de fundamental importância
compreender a dimensão que o termo “analisabilidade” adquire,
numa perspectiva de análise que considera as entrevistas
preliminares como um dos momentos indispensáveis na construção do
processo de análise.
Por fim lembro o questionamento feito por J.B.
Pontalis
sobre analisabilidade, quando diz que “constatamos que se
uma análise “não anda” com este analista, não terá que
esbarrar no mesmo obstáculo intransponível com um outro, que,
estagnada aqui, ela poderá desemperrar adiante, sem que nisto se
possa considerar sempre a extensão da experiência adquirida como um
fator determinante”. Em síntese, “ao analisável não caberia
outros limites que não os do analista”.
Um dos aspectos importantes a ser evitado
nessas entrevistas é que se estimule uma relação transferencial,
prolongando o número de entrevistas, quando o analista percebe que a
problemática do entrevistando é incompatível com o seu desejo de
analisá-lo. Este cuidado denuncia a inadequação de se
estabelecer, aprioristicamente, um número de entrevistas embora deva
ser mantido como princípio básico um número que preserve o
entrevistando de uma perturbação na sua economia psíquica.
3 - Tem se debatido muito a respeito da pertinência ou não da ideia
de
diagnóstico e de estrutura em psicanálise. Para você qual
a
importância em se definir tais noções na condução do
tratamento
analítico?
Fernando: Embora seja na relação
transferencial que irá se revelar a organização psíquica do
analisando, já nas entrevistas preliminares o analista pode fazer
suas primeiras hipóteses sobre o diagnóstico. Dizemos primeiras
hipóteses porque, em psicanálise, todo diagnóstico proveniente das
entrevistas preliminares deve ficar em suspenso, embora servindo de
balizador flutuante que propicie tanto o diagnóstico de
analisabilidade, quanto o manejo da técnica. Podemos dizer, então,
que as entrevistas preliminares nos levam ao âmago do paradoxo do
diagnóstico em psicanálise, paradoxo que deverá estar sempre
presente na escuta psicanalítica. Se por um lado, dizemos da
impossibilidade de fixar um diagnóstico – ao contrário do que
ocorre na medicina -, por outro, dizemos quão fundamental são as
entrevistas preliminares na formulação da hipótese diagnóstica.
Concondo com François Ganthertet quando diz:
“Entre o trabalho de pensamento do analista escutando, abrindo-se
para compreender, e o trabalho de pensamento do analista teorizando,
entre essas suas práticas, há separação de ressonância; “ponto
de basta”. É nesse ponto que os dois registros se encontram, “se
colam durante um tempo um ao outro, e vastos espaços onde seguem
sozinhos seus caminhos. (...) Para tentar traduzir essa paradoxal
relação eu não escuto com a metapsicologia na cabeça, e portanto,
eu não saberia escutar sem ela”.
No entanto, além da importância que as
entrevistas preliminares possuem na elaboração do diagnóstico,
devemos também considerar a escolha teórica do analista.
Os gregos tinham uma forma interessante de
pensar a teoria: O termo teoria significa “contemplação”, “ação
de olhar”, deriva da palavra theorós.
O "theorós"
era um tipo de funcionário público na Grécia, encarregado de
assistir as maratonas. Cada cidade
mandava o seu theóros, ao
término eles retornavam para suas respectivas cidades e, em praça,
relatavam o que tinham visto. Essa narrativa variava, pois dependia
do lugar onde cada um havia se posicionado.
Com essa pequena estória podemos entender que
a teoria depende do lugar onde cada teórico se coloca para poder
criar e se posicionar diante dos fenômenos.
No livro que escrevi sobre o tema das
entrevistas preliminares em psicanálise, escolhi o conceito de
Castração como ponto de referência,
marcando que seria somente na travessia do Complexo de Édipo e na
experiência da entrada na fase fálica que as organizações
psíquicas iriam se revelar.
Certa vez, quando ainda iniciava minha clínica em Paris, recebi para
entrevista uma mulher aparentemente com uma sintomatologia neurótica.
Naquela época, minha experiência quanto à prática das entrevistas
preliminares era restrita, e por isso, de forma prematura, indiquei o
divã para a paciente. No período que havia programado para minhas
férias, avisei-lhe que estaria ausente. Ao voltar das férias,
encontrei uma carta da paciente na qual ela se mostrava muito
zangada, alegando que fora desconsiderada, uma vez que havia
comparecido a todas as suas sessões e que eu havia faltado às
mesmas.
Apressei-me em telefonar-lhe e já no telefone dei-me conta de que
ela não havia registrado a minha comunicação a respeito das
férias. Dias depois, deitada no divã, ela me pergunta, após um
pesado silêncio: “Porque é que você está querendo me matar”?
Somente naquele momento é que pude perceber na paciente uma falha no
que concerne a simbolização da ausência, denotando uma organização
psicótica. Esta vinheta ilustra que a indicação de divã foi uma
precipitação.
4 - Com as chamadas “patologias contemporâneas”, muitas das
condições
de analisabilidade que Freud considerou têm sido
colocadas em debate.
Como você se coloca diante desta questão?
Há pacientes inanalisáveis?
Fernando: O incremento das Patologias do Ato, juntamente com o
fenômeno psicossomático, pode ser entendido como fruto de
uma época marcada pela existência de dispositivos e agenciamentos
sociais que produzem e são produzidos por um narcisismo que encontra
na ausência de Lei um dos seus sustentáculos. Permissiva, a
sociedade gera a ilusão de que, num estado de gozo, o homem poderia
ingressar no ilimitado.
Em nossa época, o que teria para dizer a psicanálise? Vivemos sob o
manto de diversos paradoxos: o crescente fluxo de informações e
impotência para absorvê-las; o uso de novos e sofisticados
equipamentos eletrônicos, que exige muito reflexo, confrontados com
a reduzida reflexão; a crescente interatividade confrontada com o
aumento da solidão. Participando de um mundo no qual predomina o
descartável e o efêmero, o homem de nosso tempo exime-se de
qualquer compromisso com o longo prazo.
Como
se localizar em uma época na qual vige o fluxo contínuo de um tempo
sempre presente? Intolerante a qualquer espera, avesso a toda
fixidez, o homem se move para chegar a lugar nenhum, e, num quase
sem-rumo, "tropeça" acidentalmente em outros. Assim, num
momento em que se tenta apagar a figura do Outro, a não espera é
louvada, a satisfação plena é cultuada, fortalecendo-se um
narcisismo que sustenta o divórcio entre a Lei e a Cultura: a
Cultura torna-se mais o locus
do gozo do que da interdição.
Assistimos, então, o declínio lento e gradual da imagem do pai, da
lei do pai, cuja função é, justamente, marcar o sujeito com a
inscrição de uma falta estruturante, instituindo limites e fixando
lugares. Essas transformações produzem novas subjetividades.
É nesta contemporaneidade sem “futuro”, desprovida de sonhos e
de respeito – no sentido de respicere (“olhar para”, que
conota o olhar para o outro na sua diferença, na sua singularidade)
– que a delinqüência, a toxicomania, a psicopatia, a adolescência
prolongada, as inibições múltiplas ganham dimensões alarmantes.
Freud não deixa de chamar a atenção para o fato de existirem
outros tipos de conflitos que, estando fora do âmbito da
simbolização, adquirem rumos diversos como possibilidade de
descarga de energia. Assim, fenômenos como o psicossomático, as
patologias do ato – compulsões, delinquência, toxicomania,
psicopatia –, as patologias que se expressam
nos distúrbios em relação à imagem corporal - anorexia e bulimia
-, ou ainda a melancolia, a síndrome do pânico, as chamadas
perturbações narcísicas, os casos limite, ou borderlines,.
apresentam-se impondo novos desafios à Psicanálise, cabendo
discriminar o agir concreto do agir simbólico.
Sobre essas duas noções, no “Argumento” da Nouvelle Revue de
Psychanalyse sobre Os Atos (l985), encontramos um importante subsídio
em seu reconhecimento de uma ambigüidade na noção de ato. Haveria
uma distinção não apenas formal ou terminológica entre a ação e
o agir. Enquanto este último traduz o compulsivo, o repetitivo, a
ação é o resultado de um trabalho psíquico.
Diferentes das patologias que têm como parâmetro de definição o
complexo de Édipo, as patologias atuais envolveriam questões que
traduziriam uma problemática mais referida ao narcisismo. Embora não
se possa afirmar que algumas dessas patologias contemporâneas
estivessem ausentes em outras épocas (para alguns a síndrome do
pânico já havia sido descrita por Freud como neurose de angústia),
o fato é que a incidência com a qual elas ocorrem é uma
características da nossa contemporaneidade.
Essas “novas doenças da alma”
exigem que a clínica atual repense tipos de intervenções adequadas
às situações nas quais os sistemas de simbolização, inclusive o
da expressão verbal, mostram-se fragilizados e preteridos. A
expressão “patologias do não agir” se refere a certos
comportamentos, entre eles das “inibições múltiplas” e o da
“adolescência prolongada”, este último incentivado e mesmo
produzido pela família.
Nessa precariedade simbólica, cabe mais ao analista “emprestar”
suas fantasias para que seu paciente possa construir sentido, já que
há uma carência nas possibilidades de fazer ressignificações.
5 – Em alguns de seus escritos técnicos, Freud já
manifestava
preocupação com uma clínica social. Sabemos que ela
esbarra em muitas
dificuldades práticas e teóricas. Como você
vê a clínica social? Qual
sua importância para a psicanálise?
Fernando: Podemos começar pensando sobre os dois termos: clínica e
social.
O termo clínica psicanalítica pode remeter tanto ao
atendimento clínico propriamente dito, como à reflexão teórica e
técnica do trabalho psicanalítico, ou ainda à pesquisa do trabalho
clínico realizado.
Já o termo social destaca o aspecto social deste atendimento, ao
tipo de população que nos procura e como respondemos à demanda de
tratamento por parte de uma população que, em principio, não teria
condições, por razões financeiras, de freqüentar os consultórios
particulares.
Assim, uma clínica social deveria possibilitar que os benefícios do
tratamento psicanalítico fossem estendidos a uma camada social mais
ampla, especialmente àqueles com recursos financeiros reduzidos.
Sabemos, contudo, que podem existir outras razões, diferentes das
impostas por limitações financeiras, para a busca de tratamento
numa clínica social. Estou assinalando aqui razões referentes à
economia psíquica.
A titulo de exemplo destas outras razões, lembro-me da Clinica
Social da Sociedade Psicanalítica de Paris, no momento em que eu
participava de seminários de formação que tratavam, entre outros
temas, das “entrevistas preliminares”. Nessa Clínica, o
interesse pela pesquisa era marcante e uma dessas pesquisas buscava
desenhar e compreender o perfil dos demandantes. Foi curioso
identificarmos que alguns pacientes, apesar de possuírem as
condições financeiras necessárias para uma análise em
consultório, procuravam a Clinica Social. Essa procura se dava não
por motivos financeiros, mas por razões psíquicas: necessitavam
sentir-se assegurados por uma instância superior ao analista, no
caso, a instituição.
Essa busca de uma “instância superior” me fez lembrar também
que algumas vezes, quando coordenava a Clinica Social da SBPRJ, fui
procurado por pacientes que queriam se queixar de seus analistas,
revelando assim, em alguns casos, uma transferência marcada pela
desconfiança.
Se existem pessoas que procuram a clinica social em busca de uma
instância superior, a maioria procura por limitações financeiras:
são pessoas que só podem se beneficiar da psicanálise se for por
intermédio de uma Clínica Social.
Podemos até ousar dizer que a clinica social oferece a possibilidade
de a psicanálise realizar de forma abrangente o que Sergio Rodrigues
e Manoel Berlinck no livro “Psicanálise de Sintomas Sociais”
consideram como sendo a “peculiar democracia” da psicanálise.
Para esses autores, essa peculiar democracia pretendida pela
psicanálise asseguraria, em cada um, a liberdade da palavra que lhe
falta, mas que está presente como sintoma. Essa democracia
consistiria em assegurar o caminho da palavra recalcada. Palavra
intimamente vinculada à violência e à dor e que, quando
silenciada, se expressaria como sintoma. Lembram ainda esses autores
que uma das importantes condições para que haja essa liberdade da
palavra é a existência do psicanalista. Este proporcionaria um
“‘dispositivo’ favorável à palavra que falta e que está
presente como sintoma”.
Neste sentido, sendo o psicanalista uma das peças-chave para que o
processo de “democratização psíquica” seja deflagrado, a
clínica social passa a ser de grande valor para aqueles que estariam
excluídos dessa vivência por impossibilidades financeiras.
Além disso, não podemos esquecer que as características da clínica
social exigem instigantes reflexões a respeito da triagem feita
nessas Clínicas. O que significa a realização de uma primeira
entrevista, cujo entrevistador não será o analista daquele
entrevistando? O precioso relato de Danielle Quinodoz (2007)
no qual é assinalada a importância da primeira entrevista, pois
nela estaria contido, em germe, tudo aquilo que irá se constituir
como a problemática central do tratamento, nos lança para
importantes reflexões. Uma delas, é justamente quando o
entrevistador - objeto propício a ser alvo desta repetição -, não
será o analista daquele demandante.
Mesmo quando o entrevistador (que não será o analista do
entrevistando) evita uma postura estimulante de uma relação
transferencial, me pergunto se será possível evitar a
transferência, uma vez que não é possível definir o que é
acionado para que ela ocorra. São situações a serem objeto de
reflexão a respeito do delicado momento inaugural de uma análise.
Pela importância da Clínica Social, assim como a Instituição
Psicanalítica, devemos nela valorizar as melhores condições para
que a transmissão da psicanálise possa ocorrer, de modo a propiciar
autênticas trocas entre pares, preservando o respeito pelas
diferenças e singularidades, abrindo espaços para que todos os seus
membros permaneçam expostos à experiência do inconsciente. Uma
Clinica que cuide para que a burocratização da formação não
sufoque a criatividade, o que pode ocorrer quando rituais são
criados no lugar de uma interrogação que priorize as questões
psicanalíticas.