sábado, 21 de maio de 2016

Esculpindo o Inaudito

1. Esculpindo o inaudito

                            Fernando Rocha  




“(...) A possibilidade de traduzir, com a forma visível, aquela essência íntima, anterior a qualquer forma, que é a música (...). Nessa operação, o poeta é um tradutor que consegue que o ilimitado da mensagem musical encarne-se nos limites da imagem apolínea” (Alain Didier Weill, 1997).


            Definir uma possível fronteira entre arte e psicanálise pode significar um sobrevoo no tempo: ambas contém a noção de Techné[1], termo que atravessou a antiguidade greco-latina e manteve-se fiel à noção de “fazer nascer, fazer brotar”. Talvez tenha sido essa a vinculação entre arte e psicanálise, percebida por Freud quando privilegiou a analogia entre psicanálise e arte escultórica.
            A função do analista é a de conduzir o analisante, por meio da associação livre e da ressignificação, ao caminho da criatividade, na trilha do “criar para não adoecer”.
À diferença de outras artes, como a pintura, a escultura pode surgir do que retira da matéria.  Diante da tela em branco, o pintor, prenhe de imagens, procura preencher o vazio. Já para o escultor, igualmente prenhe de imagens, mas forçado a reconhecer os limites impostos pela matéria, não há vazio a preencher. A matéria é plena; cabe ao escultor extrair a forma latente que nela habita. Forma silente e adormecida, cujo despertar para o mundo da palavra depende de um Outro que a torne presença[2].  
Há, na realidade, a maior antítese possível entre técnica sugestiva e analítica – a mesma antítese que, com relação às belas artes, o grande Leonardo da Vinci resumiu nas fórmulas: per via di porre e per via di levare. A pintura, afirma Leonardo, opera per via di porre, pois ela aplica uma substància – partículas de cor – onde nada existia antes, na tela incolor; a escultura, contudo, processa-se per via de levare, visto que retira do bloco de pedra tudo o que oculta a superfície da estátua nela contida. (Freud, 1904/1905, pp 270, 271.)


Assim, para Freud, a técnica de sugestão processa-se per via de porre; superpõe algo, uma sugestão, na expectativa de que será suficiente “para impedir que a ideia patogênica venha a expressar-se”. Já a “terapia analítica” não busca introduzir nada, mas sim retirar algo, fazendo aflorar alguma coisa, preocupando-se com a gênese e o contexto psíquico dos sintomas.
Esta proposição de Freud aponta para a ideia de que o trabalho psicanalítico , per via de levare –  com o levantamento do recalcado –  propiciaria o surgimento de um existir mais pleno, como no trabalho do escultor ao retirar o que encobre a estátua aprisionada.
Brias Silveira (2010), nos lembra, de modo pertinente, que, no início da teorização psicanalítica, partia-se da ideia de um psiquismo já de posse de uma atividade representativa. O novo aporte meta-psicológico da segunda tópica de Freud, em 1923, faz a teoria da clínica voltar-se não apenas para a simples tomada de consciência, mas para  as questões relativas às vicissitudes do trabalho de simbolização, sobretudo a partir da questão explicitada na célebre frase Wo es var soll ich werden: “Onde estava o id, ali estará o ego” (Freud, 1933/1976, p. 102). Assim, ao longo do trabalho clínico, principalmente a partir do exame das organizações não neuróticas, em que há predomínio do sofrimento narcísico, evidenciou-se a insuficiência desta concepção inicial de funcionamento psíquico para abarcar todas as suas possibilidades.
O fato de o homem nascer prematuro faz dele portador de uma característica que irá sobressair, quando comparada com outros animais, cujo grau de maturação, desde o nascimento, lhes permite maior autonomia. Tal prematuridade é, pois, própria do humano, cujo estado de dependência exige, por um longo tempo, a presença de outro que possa lhe fornecer a garantia tanto de vida biológica como de vida psíquica. Este corpo prematuro carrega as marcas dos seus começos, as marcas do movimento que surge desde o nascimento, passando pelo controle da motricidade até a aquisição da linguagem. É esse corpo que, mesmo como organismo natural, irá inevitável e lentamente imergir na cultura, para realizar um percurso que será o palmilhar de sua história – de suas vivências psíquicas.
Assim, a história singular de cada homem dependerá da existência de um outro humano, um semelhante, ou seja, um humano já submetido à Lei da cultura, às leis da interdição do incesto. Referir-se, então, a um humano é admiti-lo como efeito da relação com um semelhante, que assegure tanto os cuidados maternos como a interdição do incesto. (ROCHA, 2015)
Embora o mundo da cultura preexista ao humano, este é a expressão da tensão entre o natural e o cultural. Se o nascer é margeado por uma “naturalidade”, não tarda e logo a cultura arrebata o homem, recobrindo-o, em parte, com o seu véu, para que finalmente possa – por meio da relação com o semelhante – reconhecer as leis da cultura, a ela tornando-se submisso e, por fim, “humanizando-se”.

Ainda em “Projeto para uma psicologia científica”, Freud (1895a) nos permite depreender que o alicerce de uma organização psíquica dependerá de como ocorreu a experiência de satisfação do infans (aquele que ainda não fala) com o semelhante. Com a experiência de satisfação, dizemos ter havido um “a mais” de prazer – ativação de zonas erógenas – que, ao tornar o infans um ser desejante, retira-o da condição de ser marcado somente pela necessidade. Ser cujo desejo, ao expressar a existência de uma falta estruturante, possibilita-lhe a formação de um corpo simbólico, característico da estrutura neurótica, conferindo-lhe o estatuto de sujeito.
Essa “vivência de satisfação”, teoricamente, origina-se no momento em que o infans, buscando saciar uma necessidade – a fome, por exemplo -, é surpreendido pela ativação de uma de suas zonas erógenas. Esta, proporcionando-lhe um a mais de prazer, registra nele a marca de sensação de prazer. A partir de então, origina-se um movimento desejante, caracterizado pela busca vã de reencontrar aquela mesma marca de sensação deixada pela primeira vivência de satisfação. Esse movimento desejante – tentativa de encontrar uma satisfação idêntica – provoca marcas inaugurais no aparelho psíquico, que constituirão o denominado das Ding – a Coisa. Das Ding é formado pelo traço do objeto de percepção e pela marca de sensação deste objeto que, com função de coisa dentro do infans, passará a exercer uma função de juízo para todas as subsequentes experiências de vida daquele sujeito (Idem. 2015).
Uma vez emitido o grito inaugural, o homem-infante necessita de um Outro que lhe possibilite transformar esse grito, silente de significação, em fala. Outro, responsável pela vida biológica, que lhe confira vida psíquica.
Sem a pretensão de ser escultor ou o Outro que assegura a vida do infante, o analista é, no desempenho de sua função, um Outro que, ao provocar a formação de cadeias imagéticas, faz brotar no paciente a sua forma: vivências psíquicas[3]. Da mesma maneira, a obra de arte necessita de um Outro que a faça viver: que a toque, que a veja, que a sinta, que a escute.
Através dessas analogias, podemos depreender a forma pela qual Freud concebe o ato de “fazer nascer” como ultrapassando a noção de obra circunscrita a um universo puramente tangível. Enquanto coisa criada, a obra vive através de um Outro que, ao reconhecer-lhe existência, revela-a transitória e perene. O mesmo ocorre com o homem que, em sua vida transitória, só existe e se pereniza quando reconhecido por um Outro. A partir dessas semelhanças, não haveria distinção entre uma obra que se materializasse por meio de objetos corporais, como a escultura e a pintura, ou incorporais, como a música e o canto.
Alain Didier-Weill (1997), em outra abordagem do mesmo tema, diz que o humano é o resultado de substâncias heterogêneas, cuja expressão encontra-se na “materialidade do corpo” (corporal) e no “verbo enxertado nesse corpo” (incorporal). O entrelaçar da materialidade do corpo, sua imagem e o verbo nele enxertado foram abordados desde o início da obra de Freud, na qual o homem é apresentado como o efeito da tensão entre o corporal e o incorporal – ou seja, entre corpo e palavra – e ainda entre percepção e sensação.
De maneira similar, o escultor, para extrair da matéria uma forma, vale-se de uma linguagem que, ao introduzir a obra no incorporal – a nomeação –, torna-a também o efeito de uma tensão entre corporal e incorporal. Diante de seu majestoso Moisés, Michelangelo diz: “Fala”. Arte e psicanálise encontram em Freud o grande enunciador da estreita relação entre o artista e o psicanalista.
A busca pela reafirmação dos vínculos entre arte e psicanálise tem conduzido outros pensadores a novas articulações. É o caso de Weill, para quem o poeta, visto como um tradutor, é equiparado ao psicanalista. Para ele “o poeta é um tradutor, que propicia ao ilimitado da mensagem musical a sua inserção nos limites da imagem apolínea[4]. O mesmo pode ser dito do psicanalista.
O termo apolíneo refere-se ao deus Apolo – o deus do Metron, medida – que na tragédia é visto por Nietzsche como representando o ator, aquele que constrói o signo. Cabe lembrar que a tragédia grega, cuja origem pode ser encontrada em Ésquilo, possui inicialmente apenas um ator, termo cujo equivalente em grego é o vocábulo hipócritas [5].  
 O ator - hipócritas – valia-se de várias máscaras para representar diferentes personagens, através de cujos discursos buscava dar sentido aos acontecimentos. Desta maneira, o ator ocupa, na tragédia, o lugar do discurso.
Em oposição a Apolo, encontra-se Dionísio, deus da desmesura (Hybris) que, na tragédia, é representado pelo coro – cujas aparições destituem o signo de sua função comunicante e se dão através de sons, gestos e danças.
Ao associar Apolo ao lugar de onde surge a palavra, compreendemos o destaque que Weill confere ao significante: “é através do significante que se podem amarrar o real da música e a imagem especular” (1977:27). Com função assemelhada à de Apolo, o analista tem uma palavra que, embora capaz de construir o signo, é também capaz de provocar a desconstrução do mesmo. Assim, a função do analista abrigaria também Dionísio.
Da mesma forma que o analista reconhece as palavras pelo que elas significam socialmente, ele também as reconhece quando perdem a sua função social e passam a dizer vivências inconscientes, deixando falar Dionísio. A palavra, então, como significante, também é utilizada pelo analista. Esse significante – que, no dizer de Freud, corresponde à imagem acústica – é capaz de circular pela representação coisa e pela representação palavra.
 Na tese sustentada por Freud, a representação coisa está ligada à representação palavra com a sua terminação sensorial, mediante as imagens acústicas. Por meio dessa tese, Freud enuncia que “o ponto central de toda função da linguagem” reside na “atividade associativa do elemento acústico” (Contribution à la conception des Aphasies, 1891).
A força do poder associativo do elemento acústico pode ser visualizada através de duas situações clínicas. Na primeira, uma mulher telefona para o analista, em busca de ajuda. Por não dispor, naquele momento, de horários compatíveis com as possibilidades da mulher, o analista pede-lhe que aguarde. Ela, no entanto, insiste, se antecipa e lhe faz várias ligações telefônicas. Uma vez viabilizado o inicio do tratamento, a paciente revela que “embora conhecendo o analista somente por telefone, estabeleceu uma forte ligação”. Ao longo do trabalho, ela compreende que o seu aparentemente inexplicável interesse em iniciar o tratamento com aquele analista estava relacionado com o fato de o mesmo possuir um sotaque idêntico ao de seu pai. Na segunda situação, o analista, com o objetivo de incentivar a continuidade associativa do discurso da paciente, emite um som (“hum, hum”). De imediato, a paciente associa esse som a uma cena de infância, na qual ela se encontrava numa rede com o pai e este a embalava ao som de um “hum,hum”,”hum”.
 Nesta mesma direção, Weill (1997:57,58), tomando como ponto de partida o que se passa na música, diz: “...vocês devem ter notado, quando ocorre de a emoção musical nos invadir, que ela suscita dois movimentos, dois estados de alma, dos quais poderíamos provisoriamente dizer que realizam a conjugação de um estado de felicidade e de nostalgia psíquica”. Esta nota de música que em nós desenvolverá o estado de gozo, será segundo o autor, “sempre a mesma, no sentido em que será disparada tanto de uma simples cantiga quanto do piano de Mozart ou do sax de Lester Young”.
 Uma paciente, que atendi fora do Brasil, narra a experiência seguinte: Encontrava-se  num vernissage quando sentindo-se atraída pela voz de um homem que dialogava  com outro em espanhol. Sentindo-se estranhamente fascinada pela sonoridade daquela voz, logo tentou provocar uma situação para entrar em contato com ele e, a partir daí, começaram a se encontrar. Ela ficara por ele apaixonada a ponto de pretender romper o próprio casamento. À medida em que tentava na análise compreender o que lhe estava acontecendo, o fio de suas associações a levaram a pensar que aquele sotaque pelo qual ficara fascinada tinha a ver com a voz de uma antiga babá de língua espanhola,  que ela tivera quando morou, em sua tenra infância, num país de língua espanhola.
Esta experiência vem corroborar a ideia de que a tendência do desejo é a de sempre encontrar algo do traço do objeto perdido.
Em sua função simbólica, o analista é propulsor do processo associativo, no qual a representação coisa, ao emergir na representação palavra através das imagens acústicas, interpela o discurso consciente e evoca novas imagens, que surpreendem o sujeito e provocam a formação de cadeias associativas. Se é possível que esses acontecimentos ocorram fora do setting analítico, é somente nele que ganham especial relevância, já que constituem um dos fatores responsáveis pelo desenrolar do processo analítico.
Ocupante do lugar do apolíneo, o analista também seria um hipócritas, já que, enquanto objeto de transferência, representa os vários personagens que compõem o psiquismo do paciente.
Lugar onde o signo fica ancorado, o lugar do analista é provocador de vivências que permitem a emergência da energia até então desvinculada de imagens, urgindo por uma expressão que ocorrerá quando essa energia for enlaçada por uma representação.
Não é sem propósito que Freud estabelece duas importantes articulações: uma vinculada à arte – no caso específico da arte escultórica – e a outra, quando confere ao método psicanalítico a preeminência da palavra. Embora definidas por diferentes parâmetros, tanto a arte escultórica quando a psicanálise guardam entre si uma semelhança: ambas são efeito do possível. Ao extrair a forma da matéria, o escultor fica preso a seus limites. Da mesma maneira, o analista – embora sendo o propiciador do movimento transferencial – não pode alterar as marcas psíquicas delimitadoras da expressão do paciente. Marcas provenientes das vivências psíquicas ocorridas ao longo da vida que, por não serem ordenadas cronologicamente, podem ser associadas e tornadas presente sem considerações de tempo.
A cena analítica deveria, então, provocar a emergência das vivências de infância e servir de lugar para que estas se revelassem, como que à luz do poetar de Mário Quintana:

                    Quem faz um poema abre uma janela:
                    Respira, tu que estás numa cela abafada,
                    esse ar que entra por ela.
                    Por isso é que os poemas têm ritmo
                    Para que possas, enfim,
                    Profundamente respirar.
                    Quem faz um poema salva um afogado(6).


Ou de José Saramago quando escreve: “Há dentro de nós uma coisa que não tem nome e essa coisa é o que somos”.

Mesmo que possamos distinguir diferenças entre arte e psicanálise, é inegável que Freud recorreu à literatura, à pintura, à música e ao mito, entre outras manifestações artísticas, para estruturar e pensar os conceitos da teoria psicanalítica. No entanto, diferentemente do analista que não assina a sua “obra” (o paciente) e nem se pereniza através dela, o artista, este sim, assina a criação que o pereniza. Freud percebeu a dimensão perene da obra, já que não considerou o artista um mero intérprete “concreto e singular do seu tempo”.
Como nos lembra Weill (1997:33), através da arte o homem poderia vislumbrar o tempo da perenidade:
Como compreender o sentido do ato artístico senão como a tentativa feita pelo homem de lutar contra essa ameaça, substituindo ao homem, ameaçado de anonimato pelo saber absoluto, a parte de incógnito que é seu bem mais íntimo? Onde o homem, observado de todos os lados, fica transparente, eis que o pintor recorda-lhe que ele continua habitado pelo invisível; (...) já “a música vem lembrar-lhe que, ao contrário e contra tudo, o inaudito conserva suas exigências” e onde “o dançarino é aquele que relembra ao homem o fato de que nele permanece um movimento original cujo caráter absolutamente inimitável ele tende a esquecer”.

Se as diferentes expressões artísticas contém uma Techné que pode perpetuá-las, o mesmo não ocorre com a Techné própria ao psicanalista. Metaforicamente, a obra do analista é o paciente e essa obra não deverá ser assinada, uma vez que a psicanálise visa a propiciar o encontro de cada paciente consigo mesmo e não sua identificação com a pessoa do analista.  
Visto desta forma, um dos efeitos do processo analítico é o de propiciar a liberação da energia, até então voltada à manutenção dos sintomas, em proveito de uma vida mais criativa. Como nos lembra Freud, através do filósofo Heine, “Deus criou o mundo para não ficar doente”.
Freud associa o analista ao escultor e nos revela uma das mais importantes características do analista: a de não poder alterar a qualidade da “matéria” com a qual trabalha. Freud assinala ainda, como elemento de relevo, o fato de que tanto o escultor quanto o analista estão limitados pelo tipo de matéria que cada um deles utiliza, sem lhes poder alterar a qualidade – vidro não pode ser transformado em madeira – da mesma forma que o analista estaria marcado por um limite semelhante, que tornaria impossível alterar a história vivencial do sujeito.
No entanto, a riqueza revelada por Freud, a partir das duas situações, é que tanto o escultor quanto o psicanalista podem fazer brotar as incontáveis possibilidades de criar, seja no limite da matéria, seja no limite do sujeito. Se o ato de criação, em ambos os casos, mostra-se não só possível, mas mutante, o tempo que separa dois mil anos da concepção grega de arte e Techné passou também por modificações. Ao psicanalista não é dado assinar aquilo que porventura considere a sua criação.

Este anonimato que, no passado, fez parte também do oficio do artista grego, até Fídeas, hoje demarca uma diferença entre o psicanalista e o artista. Nesse passar de tempo, a figura do artista tornou-se cada vez mais forte, foi adquirindo um caráter de legitimidade e passou a reivindicar uma autoria.
Ao contrário, se é possível atribuir ao analista a execução ou a criação de uma “bela obra”, essa só será assim considerada na medida em que ele não deixar prevalecer as suas marcas de autor, mas tiver sido o catalisador, o facilitador de possíveis rearranjos propiciadores do singular percurso de cada sujeito. Neste sentido, cabe lembrar que há uma distinção entre a identificação à pessoa do analista e a identificação com a função analítica.
Quanto à articulação entre o método psicanalítico e a preeminência da palavra, Freud esclarece que, se o método psicanalítico entra em conflito, a partir de algum momento, com o método hipnótico – que se baseia na submissão idealizada ao médico, consequência de uma não-escuta de si – é justamente por considerar a fundamental importância da escuta e da fala advindas do paciente.
Poder se escutar é, para o paciente, adquirir a possibilidade de ressignificar as próprias vivências. Neste sentido, como vimos, a preocupação de Freud com a camada acústica parece existir desde os primórdios de sua obra. A importância da camada acústica encontra-se presente desde o texto sobre as afasias, não só enquanto propulsora da vinculação entre representação coisa e representação palavra, mas também como aquela que propicia o processo de ressignificação.
Se, por um lado, Freud ressalta a importância da camada acústica no processo de significação e ressignificação, por outro, também chama atenção para o fato de o ser humano-infante falar sem necessariamente compreender o significado das palavras.
Ao realçar a associação livre, Freud desvela o caminho da criatividade, uma vez que, no processo analítico, o signo nele esculpido faz brotar as várias formas possíveis. Formas que, ao revelarem o velado e despertarem o adormecido, possibilitam ao paciente a recriação de sua própria história.


BIBLIOGRAFIA

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WEILL, A. D. – Nota Azul – Freud, Lacan e a Arte. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997.












[1] Sobre Techné, Estrella Bohadanna (1992) em Sobre Deuses e Poetas, escreve que “em Homero, à revelia de qualquer hierarquização, encontramos diferentes técnicas dotadas do mesmo estatuto. Quando emprega o vocábulo techné, ele o faz no sentido de fabricar, construir, produzir, criar”. (...)   “Para o vocábulo techné estamos considerando a etimologia fornecida por M.A.Bailly, o qual lhe atribui origem na raiz indo-euroéia tek, dando-lhe as significações de enfanter, produire, créer, como encontramos em Homero. (Ver M.A. Mailly. Dicctionnaire Greco-Français. Paris:. Livrairie Hachette, 6ème édition, 1940).

[2] Para certas crenças populares, algumas imagens sagradas, pintadas ou esculpidas, não são produzidas por mão humana, mas sim descobertas.

[3] Essas cadeias imagéticas seriam capazes de enlaçarem o quantum de afeto e se tornarem responsáveis pela produção de sentido. Ver Freud: Estudos sobre a histeria e Projeto para uma psicologia científica.

[4] Nos comentários feitos por E. Bohadanna em Freud e a Tragédia: a impulsão da palavra, o termo apolíneo é apresentado como sendo empregado por Nietzsche em oposição ao dionisíaco. No entanto, comenta a autora, embora sendo forças opostas, Apolo e Dionísio longe estão de possuir origens diferentes: ambos nascem do seio da natureza. Assim, Apolo e Dionísio formam uma unidade que presentifica a condição do homem. Embora submetido à castração – dimensão apolínea -.ele manterá sempre uma outra dimensão indomesticável – a dionisíaca. Assim, seria o homem simultaneamente Metron e Hybris.

7. Sergio Rodrigues – Sobre Palavras – O hipócrita nasceu no palco. Veja.Abril/com.br/blog/sobre palavras/ curiosidades etimológicas. Para este autor, A palavra hipócrita veio do grego e designava, a princípio, apenas um ator, um comediante, um histrião, sem as conotações intensamente negativas – de falsidade, dissimulação, fingimento – que hoje estão a ela associadas.

O Houaiss registra a acepção grega de “intérprete de um sonho, de uma visão; adivinho, profeta” como sendo anterior à de ator – o que pode sugerir uma raiz de charlatanismo para o dissimulado de hoje.
No entanto, o etimologista catalão Joan Corominas liga a hipocrisia diretamente ao trabalho de interpretação de uma peça, sem a interferência de profetas ou adivinhos, ao derivar o termo grego de hypokrínomai, “diálogo”.
Seja como for, é certo que, ao desembarcar em português no século XIV, a palavra hipócrita já trazia consigo, pronta, a acepção que hoje vemos atribuída com frequência a políticos e outros fingidores. Em tempo: o grego Hipócrates, conhecido como “pai da medicina”, não tem nada a ver com isso.


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